Como é notório, o presidente da Rússia, Putin, que invadiu a Ucrânia e que contra esta mantém uma guerra, possui um mandado de prisão internacional.
A primeira vista pode parecer estranho a emissão deste mandato de captura. Afinal, o crime contestado não é vinculado às mortes e crueldades inenarráveis, consequentes de todo conflito armado. O grave crime cometido é o afastamento de diversas crianças das suas respectivas famílias.
Ainda hoje são muitas as pessoas que consideram a subtração de um menor como algo que não possui gravidade suficiente para ser avaliado como um crime. Fatos históricos como esses deveriam demonstrar sem sombra de dúvidas que uma subtração de menor é uma ação de deve ser repudiada com todos os instrumentos possíveis.
A subtração internacional de menor é considerada crime no Brasil?
Desde 1940, o art. 249 do código penal estabelece o crime de subtração de incapaz. Porém, desde então foram mantidas certas peculiaridades que violam gravemente os direitos das crianças.
Por exemplo, segundo esta lei, se o sequestrador é um dos genitores, o crime não existe (!!). Se a criança é devolvida (não se sabe depois de quanto tempo) sem ter sofrido, o crime também não subsiste.
Art. 249 – Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena – detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.
§ 1º – O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2º – No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.
Parece difícil conceber que uma criança possa sofrer menos se quem a subtrai é um dos genitores. Por acaso, as crianças não querem conviver com ambos genitores? Um genitor que exclui a convivência com o outro genitor está defendendo o melhor interesse da criança? Onde está a lógica?
Parece inconcebível existir uma subtração onde o distanciamento, por si só, não é razão suficiente de graves prejuízos ou sofrimentos para a criança. Afinal, até mesmo quem rouba um objeto e depois o devolve não deixa de ser processado por crime. Será que uma criança deve valer menos quem um objeto? Segundo o art. 157 cp, roubar um simples veículo (levando-o para o exterior) pode comportar até mais de 10 anos de cadeia (contra os 2 anos máximos da subtração de incapaz!).
Não se compreende por que ninguém consegue observar que, no Brasil, o interesse de uma criança deve valer menos do que qualquer coisa.
Como o STF avalia o crime de subtração de incapaz?
Infelizmente, até mesmo o STF, que em diversas ocasiões altera/alterou a lei como se nada fosse (por exemplo, admitindo ou equiparando o casamento homossexual, mesmo a constituição sendo contrária – nada contra essa decisão, mas ela deveria vir do poder legislativo), certificou a retidão desta lei extremamente contraditória ao melhor interesse da criança.
No caso Qvarfodt, o STF negou a extradição do genitor subtrator para a Suécia, onde tinha sido processado por subtração do filho. O STF estabeleceu que, para o Brasil, a subtração cometida por um genitor que possui guarda compartilhada não è crime, portanto, não existiam os pressupostos para a extradição (!!).
Como é possível ao mesmo tempo alterar a Constituição para permitir maior liberdade às pessoas (como no exemplo do casamento homossexual) e não atualizar ou simplesmente interpretar uma lei em prol da tutela contra uma ação de violência a uma vítima que não pode minimamente se defender? Em vários países não se reconhece o casamento homossexual e se continua a viver sem diferenças relevantes, já uma criança sequestrada do lar é uma violência intolerável.
Como evoluíram as leis ligadas indiretamente à subtração?
Com a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Crianças, em 1989, o legislador brasileiro teve que importar alguns dos princípios enunciados pela comunidade internacional:
Artigo 3
Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.
Artigo 7
A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles.
(…)
Artigo 9
Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. (…)
Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança. (…)
Artigo 10
(…)
A criança cujos pais residam em Estados diferentes terá o direito de manter, periodicamente, relações pessoais e contato direto com ambos, exceto em circunstâncias especiais. (…).
Artigo 11
Os Estados Partes adotarão medidas a fim de lutar contra a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita das mesmas fora do país.
Para tanto, aos Estados Partes promoverão a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos já existentes.
Artigo 19
Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. (…).
Isto se traduziu na criação de uma nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente que, na prática, é como uma tentativa de adaptação dos enunciados internacionais à realidade brasileira.</p>
Assim consta no ECA:
Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:
Pena – reclusão de dois a seis anos, e multa.
Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:
Pena – reclusão de quatro a seis anos, e multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Esta lei reconhece que é um grave prejuízo para a criança ter o seu ambiente alterado ilegitimamente, mas, na prática, o poder judiciário exclui qualquer responsabilidade se o autor for um dos genitores com guarda compartilhada. Está é uma grave contradição.
Recentemente (2009-2014), se alcançou uma adoção obrigatória do regime de guarda compartilhada, mas isto gerou novos problemas. Por exemplo, as mães insatisfeitas com os pais, não admitiam ter que compartilhar a guarda, que por séculos sempre foi uma exclusividade delas. Não por acaso, a maioria dos genitores subtratores são as mães.
Por diversas razões, ficaram mais transparecidas as situações familiares em que um genitor usava a criança para agredir o outro. Em um conflito as partes normalmente usam todas as armas que podem, até mesmo se essas armas podem gerar injustas consequências negativas a terceiros. Em muitos casos, para se obter a guarda exclusiva, se passou até a tentar teorizar que todo e qualquer conflito conjugal se refletia na relação parental. Portanto, uma eventual briga conjugal se transformava em desculpa para estabelecer que o outro genitor era ruim por natureza e que automaticamente deveria perder contato com os filhos. O tempo da alquimia já passou, não se deveria abandonar o método científico com tanto desembaraço.
A subtração é uma forma de alienação parental?
Neste contexto de rápidas alterações, o legislador considerou necessário criar uma nova lei para tentar reparar este efeito. Como não poderia ser diferente, esta nova lei foi, e é, muito combatida por aqueles que são contrários à guarda compartilhada e que costumam considerar as mães como genitores melhores do que os pais (a igualdade dos sexos, defendida também pelo STF na citação anterior, não valeria em relação à parentalidade).
Com o fim de justificar esta nova lei, se buscou apoio na teoria da síndrome da alienação parental, aplicando idêntica expressão no texto legal. Isto facilitou a vida dos opositores que passaram a vincular a norma a uma síndrome que na verdade não recebeu adesão na comunidade cientifica. Muitos teorizam então que, se não existe a sindrome, não pode ser considerado como crime ações voltadas à destruição da relação do outro genitor com os filhos.
Em vários países, não se usa a expressão alienação parental, mas mesmo assim é crime dificultar o contato da criança com o outro genitor. É visto como um componente natural do conceito do melhor interesse da criança combater as violações aos direitos essenciais das crianças, sem necessidade de criar leis mais específicas. Não se compreende por que a lei da alienação parental seria incorreta apenas porque não foi provado que a criança ficaria sempre submetida a um grave trauma psíquico.
Inicialmente a lei estabelecia a prisão no caso de falsas declarações que levassem a restrições no contato com o filho, mas esta regra foi vetada. Parece evidente o domínio de uma cultura que visa retirar do âmbito penal esse tipo de violência, que, na grande maioria dos casos, se trata essencialmente de uma tentativa covarde de estender uma separação conjugal à separação parental.
Para um bom leitor, é evidente que uma subtração é a forma mais grave de alienação parental:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Em muitos pedidos de retorno em base a Convenção da Haia de 1980, o Tribunal Federal, não especializado em direito de família, requer perícia para verificar se a criança sofre ou sofreu alienação parental. Como uma lei como esta seria necessário talvez o contrário, ou seja, uma perícia capaz de provar que o fato de se levar uma criança ilicitamente para outro país não é uma forma de dificultar o exercício da autoridade parental, o contato da criança com o genitor, da convivência familiar, etc. Toda e qualquer subtração de menor é um ato de alienação parental, incondicionalmente.
O que ficou faltando nesta lei são as consequências. As suas disposições de tutela do direito da criança (tudo aquilo que não é formalidade judicial) são todas no condicional, é sempre “o juiz poderá”, “se for o caso”, “se necessário”, etc.
Em outras palavras, se criou uma lei aparentemente inútil, é como se a mesma fosse um glossário e/ou uma simples cartilha de boas práticas.
A alienação parental é crime?
Em 2017, uma nova lei de proteção às vítimas de violência aumentou a importância jurídica da alienação parental, estabelecendo as seguintes condições:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:
I – violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;
II – violência psicológica:
(…)
b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este; (…)
Art. 6º A criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência têm direito a pleitear, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o autor da violência.
Parágrafo único. Os casos omissos nesta Lei serão interpretados à luz do disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) , na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) , e em normas conexas.
Art. 24. Violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Como verificado, a alienação parental foi mais que reforçada como forma de violência psicológica contra a criança. Consequentemente, parece automática a estrada que levaria à responsabilidade penal.
Porém, o único crime que esta lei realmente estabeleceu foi aquele de violação do sigilo processual (!!).
Se considera unânime a ideia de que violência em geral é crime, que é crime maltratar as mulheres, as crianças, etc. De fato, nenhuma lei brasileira criminaliza os maus tratos no âmbito familiar. Pode parecer piada, mas é a dura realidade, esqueceram de fazer uma lei que pune em geral quem comete violência contra as crianças.
Como citado anteriormente, o ECA criminaliza a subtração (arts. 237,239), mas o poder judiciário interpreta que essa lei exonera o autor da subtração quando este é um dos genitores do menor sequestrado.
Fora da questão da subtração, no ECA não existe alguma pena de reclusão contra quem pratica violência contra uma criança.
A lei Maria da Penha que em teoria protege as mulheres contra a violência familiar, ao máximo impõe prisão preventiva, em nenhum momento estabelece uma punição contra quem praticou violência psicológica. Apenas em 2021 (lei n. 14.188), violência psicológica contra a mulher entrou no código penal, mas não se compreende por que se protege somente as mulheres e não a população toda.
Neste contexto de inexistência de real tutela contra violência psicológica ou mal tratamentos no âmbito familiar ou social em geral, existe apenas uma proteção específica em favor da criança, que tem origem no código penal de 1940:
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.
Em teoria uma violência psicológica deveria ser um exemplo de exposição de perigo à saúde da pessoa, mas parece improvável obter essa interpretação do poder judiciário brasileiro.
Em conclusão, retornando ao quesito inicial, segundo a lei brasileira, a subtração internacional de menor é crime. Porém, “oficialmente”, devido a interpretações extremamente incoerentes do poder judiciário (não é fácil conviver com em uma realidade legislativa caótica), subtração só é crime quando o sequestrador não é um dos genitores. Não existe apenas uma presunção de inocência, mas uma verdadeira e inexplicável imunidade, como se os filhos fossem um objeto de propriedade dos genitores.
A subtração internacional de menor é considerada crime no mundo?
Como ilustrado anteriormente, no Brasil, os direitos das crianças são culturalmente desconhecidos e/ou aplicados sem uma certo grau de coerência.
Por consequência, mesmo a subtração de menor sendo uma grave forma de violência contra crianças inocentes, muitos defendem que ela não deve ser criminalizada.
No Youtube existem diversas palestras sobre a Convenção da Haia de 1980 onde muitas autoridades brasileiras menosprezam as decisões de países estrangeiros de tipificar como criminosos os genitores que subtraem os próprios filhos. Afirmam com orgulho que diversas vezes o Brasil procurou propor nas reuniões da Haia soluções para vetar a responsabilidade penal do genitor subtrator no Estado de origem.
Me parece óbvio que se existe o âmbito penal na subtração, as forças policiais terão todos os recursos para agir rapidamente em prol da restauração da situação anterior. Como bem se sabe, o problema de uma subtração não é o ato em si, mas a duração prolongada desta ação.
Se subsiste apenas o aspecto civil, a única alternativa legal é a abertura de um processo judicial que a priori prejudicará a criança por ser extremamente lento. Muitas vezes com uma ação imediata policial já é difícil localizar uma criança, pior seria essa situação de acesso à justiça ordinária.
Nos casos de subtração internacional de menores alguns imaginam que o genitor subtrator quando retornar ficará preso ou não poderá mais ter contato com a criança ou outras fantasias deduzidas em conexão com a realidade brasileira mais negativa possível.
Ao invés, a normalidade é que tal crime no exterior comporta uma pena baixa e o genitor pode não ser punido se provar a existência de justificações toleráveis para o ato praticado (basta até mesmo alegar um momento de stress psicológico). Mesmo no caso em que resultar plenamente culpado com o máximo da pena, a expectativa comum é ter a pena reduzida por nunca ter cometido outro crime e nem passar sequer um dia na cadeia ou em prisão domiciliar. Apenas restará com a ficha de antecedentes ‘suja’.
Outro fato que muitos ignoram é a questão da prescrição. Enquanto no Brasil o crime de subtração se prescreve a partir da ação inicial de sequestro, no exterior, este crime é, justamente, considerado continuado, ou seja, a prescrição não começa do momento do sequestro, mas do retorno da criança. Afinal, cada dia que a criança passa distante do seu lar original corresponde a um aumento do seu sofrimento. Tanto que o crime comumente não diferencia subtração da situação de retorno negado como, por exemplo, no caso de uma criança que viaja de férias e o outro genitor não retorna mais com a mesma.
Em consonância com essa realidade de elevada gravidade, a Conferencia da Haia assinala no seu site que nos seguintes países signatários a subtração de menor é considerada crime (lista não exaustiva): Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Islândia, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Inglaterra, EUA, Suíça, Suécia, Japão.
Parece possível deduzir que a subtração é crime na quase totalidade dos países considerados mais ricos e/ou desenvolvidos. Será que são os países mais desenvolvidos que devem excluir o aspecto penal no caso das subtrações ou é o Brasil que precisa melhorar as suas reflexões? Porque ao invés de pretender impor a própria realidade aos demais países, as autoridades não imaginam ser possível que os demais países sejam aqueles cobertos de razões?
A lista de países citadas anteriormente é uma mínima parte dos mais de 100 países que aderiram à Convenção da Haia de 1980, porém, se hoje existe a Conferência da Haia e esta Convenção é graças exclusivamente a esses países.
Portanto, sob essas premissas, é possível afirmar que para o mundo civilizado a subtração internacional de criança deve ser considerada um crime, independentemente do autor ser ou não um genitor com a guarda compartilhada.
O que o Brasil deveria reconhecer no caso Putin?
Internacionalmente, o Brasil é reconhecido como um país que não respeita a Convenção da Haia de 1980.
Em outras palavras, as crianças subtraídas e o genitor abandonado acabam recebendo do poder judiciário maior injustiça além daquela sofrida e o genitor subtrator é premiado pela sua ação ilícita.
São anos que essa realidade se mantém imutável, mesmo com as mais diversas tentativas de alterar essa realidade.
Provavelmente o que falta é compreender que, mesmo os casos de subtração sendo poucos, mesmo as crianças não podendo defender os próprios direitos, é demonstração de crueldade, maior do que uma guerra, não combater com coerência e seriedade este fenômeno.
Enquanto os países desenvolvidos costumeiramente são considerados pelos países subdesenvolvidos como frios nas suas leis e comportamentos, de fato, existe mais falta de humanidade em quem ignora a injustiça na vida das crianças subtraídas.
Em conclusão, não resta que esperar que o poder judiciário e o poder legislativo reflitam e assumam as próprias responsabilidades.