Será que é verdade que as mães são favorecidas por uma suposta superioridade de gênero?
Será que o tão invocado ideal de igualdade de gênero não deve valer nos processos de guarda e de retorno de uma criança subtraída?
Será que a guarda de uma criança ou o seu retorno devem ser decididos em base ao gênero do genitor guardião?
Quais elementos deveriam ser avaliados em um processo de guarda?
Em tudo aquilo que se refere às crianças, como o julgamento da custódia ou de um pedido de retorno nos casos de subtrações (internacionais ou nacionais), é costumeiro ouvir que deve sempre prevalecer o melhor interesse das crianças envolvidas.
Como bem assinalado por bons interpretadores da Convenção da Haia de 1980, de tanto as autoridades se concentrarem na superficial repetição dessa expressão, parece que a mesma foi reduzida a um clichê. Nos fatos, prevalece um esquecimento sobre a consequente e metódica reflexão que deveria ser realizada em relação ao significado do melhor interesse das crianças no específico contexto em discussão.
O caso particular de uma ação de guarda é aquele que mais deve alcançar uma visão ampla do melhor interesse da criança. A concretização deste conceito, aparentemente vago, pode ser traduzida em diversos estudos, como, por exemplo:
- uma avaliação psicológica sobre qual genitor atende melhor as necessidades da criança;
- uma avaliação sobre qual possível ambiente será mais saudável para o menor (tanto na sua vida presente quanto em relação ao seu futuro);
- tomada de medidas para garantir formas de contato mais amplas possíveis com o genitor não convivente;
- celeridade em toda e qualquer avaliação ou decisão (lembrando que celeridade não é exclusão de direitos, mas a aplicação de técnicas capazes de realizar em menos tempo tudo aquilo que se faria ordinariamente);
- etc.
Em resumo, se espera uma aplicação coerente de tudo aquilo que está presente na Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989. Sempre lembrando que também não basta citar essa convenção, mas ler com atenção o seu conteúdo e estudá-lo, como toda lei comum (texto+doutrina+jurisprudência). Caso contrário, se transformará em mais um clichê e, consequentemente, em graves injustiças contra uma criança que não pode se defender autonomamente.
O que é ser um bom genitor?
A psicologia nos ensina que toda criança é diferente e que, portanto, necessita de cuidados e atenções personalizadas. Qualquer tentativa de simplificação das suas necessidades é um erro grave. Não é razoável tentar imaginar um padrão universal de criação e imaginar que este tenha que ser imposto a toda criança.
Não por acaso, se observa como famílias com filhos numerosos, ao jurarem os terem criados da mesma idêntica forma, notam quanto cada um possui uma personalidade extremamente diferente dos irmãos, chegando muitas vezes a serem inclusive opostas.
Parece claro que o fator mais importante na parentalidade é a capacidade do genitor de conciliar as necessidades dos filhos com as regras da vida em sociedade.
Se é verdade que nem os adultos mais velhos conseguem compreender plenamente os princípios de uma vida social saudável, é uma tarefa ainda mais complexa saber o que o próprio filho precisa para crescer bem e ser um adulto equilibrado. Nenhuma criança nasce com o seu livro de instruções.
Neste contexto, não parece ser suficiente a simples boa vontade de um genitor ou a sua auto convicção de um amplo amor eterno. Afinal, não raras vezes, a mídia nos apresenta até mesmo crimes hediondos praticados em nome do “amor”.
Mais comumente, será que, por exemplo, existe mais sentimento de doação em um genitor que carrega a criança no colo todo tempo e faz tudo que ela deseja ou naquele que procura ensiná-la independência e prefere corrigir eventuais hábitos ruins mesmo que isso leve a ser visto momentaneamente pela criança como um inimigo?
Nenhuma criança pediu para nascer e exatamente por isso a obrigação do genitor será sempre aquela de abdicar das próprias vontades ou comodidades pessoais quando essas entrarem em conflito com as necessidades dos filhos (diferentemente daqueles genitores que consideram uma prisão não poder mudar de país com o filho sem o outro genitor).
O seguinte principio, estabelecido desde 1979 pelo Conselho Europeu e evidenciado no Relatório Explicativo da CH80, é aquele que deveria sempre ser repetido (ou melhor, praticado) quando se trata de compreender o que é ser um bom genitor:
“os menores não devem ser considerados propriedade dos seus pais, mas devem ser reconhecidos como indivíduos com direitos e necessidades próprias”
Existe uma preferência de gênero do guardião principal?
Em uma disputa pela guarda dos filhos, normalmente o conflito conjugal leva à necessidade de se optar pela escolha de um guardião principal, ou seja, aquele com quem a criança conviverá a maior parte do tempo sob o mesmo teto.
Levando em conta as premissas anteriormente elaboradas, será que uma mãe ou um pai podem representar a priori um guardião principal melhor do que o outro? Será que não é necessária uma análise concreta das aptidões de cada genitor em relação às crianças?
Não é possível negar que homens e mulheres possuem instintos ou tendências naturais diferentes, assim como não é possível negar que eles possuam traços em comum.
Porém, parece claro que as capacidades do bom genitor dependem das suas atitudes ou conhecimentos e não dos eventuais estereótipos que lhes podem ser atribuídos.
Afinal, constatar aquilo que serve para o bom desenvolvimento do filho é um processo puramente intelectivo, que por sua vez não é uma característica inata, mas uma capacidade que todos podem aprimorar.
Exatamente por isso que, no caso de um genitor com comportamento não adequado, a função do Estado de Direito não é afastar a criança (negando o seu direito à convivência com este), mas tentar instruí-lo ou afastá-lo de um certo ambiente ou situação que gera a atitude contestada.
Daqui também nasce a diferenciação entre o conflito parental e aquele conjugal. Cientificamente não existem pessoais ruins ou violentas por natureza assim como um conflito conjugal não automaticamente reflete na relação parental.
Portanto, em uma sociedade civilizada, onde por princípio prevalece a racionalidade, o gênero do guardião principal, aquele que terá maior contato com a criança, não pode ser um fator diferencial em uma situação de conflito familiar.
O que se espera da justiça em um conflito familiar?
A existência de conflitos familiares é um fenomeno extremamente comum. Talvez se pode considerar até mesmo como inatural a ausência de conflitos em uma sociedade declarada democrática. Assim não poderia deixar de ser, visto que somos todos diferentes em relação às vontades e convicções consequentes à própria experiência de vida.
Não nascemos com verdades embutidas, aprendemos aos poucos. Para piorar, mesmo após anos de vida e por diversos motivos, costumamos nos manter distantes do conhecimento completo das verdades mais relevantes da vida social.
Apesar de um conflito carregar geralmente um significado negativo, ele costuma ser o requisito primário para o alcance de um esclarecimento melhor sobre um determinado tema. Tudo depende da inteligência ou costumes dos interlocutores, assim como uma ferramenta pode contribuir a uma criação ou se transformar em uma arma mortal em base as escolhas feitas pelo seu possessor.
Quando existe uma situação conflitual elevada, as partes costumam se indispor a possíveis concessões. Convencionalmente, para recuperar a civilidade em breve tempo, parece necessária a intervenção de um terceiro sujeito neutral com o poder de destituir as indisposições e demonstrar às partes a existência de verdades pessoais não bem formadas.
No caso específico de um conflito familiar de tipo conjugal e/ou parental, se espera que a Justiça seja este terceiro sujeito.
Porém, para ser capaz de exercer está função é necessária uma especialização elevada. Não apenas porque é um tema complexo, mas também porque até mesmo os maiores experts desconhecem muitas verdades, que, por sua vez e em alguns casos, inclusive sofrem alterações com o passar do tempo.
Em geral, na gestão de situações complexas, somente uma elevada especialização é capaz de fornecer uma solução razoável e, principalmente, em breve tempo. Não por acaso, o próprio CNJ noticia que as varas especializadas exclusivamente na infância e juventude são aquelas que concluem os processos em menos tempo do que as demais.
As pessoas não podem colocar a vida em pausa para esperar que o tribunal passe um bom tempo refletindo ou tentando encontrar um certo grau de segurança na eventual solução que imagina impor a uma situação que desconhece.
Portanto, se espera do tribunal, em toda e qualquer situação de conflito familiar, uma rápida solução e o mais elevado grau de especialização possível.
O que se espera de um magistrado em uma disputa parental?
Como salientado anteriormente, se espera antes de tudo, que o magistrado chamado a resolver um conflito familiar possua elevada especialização.
Maior parte dessa especialização se espera ser o resultado de anos de experiência, com a análise diária dos mais diferentes casos e das consequências fáticas das decisões tomadas.
Não pode ser compartilhável a ideia semplicista de que todo magistrado é sensível, tem família e filhos e que, portanto, é capaz de compreender tudo aquilo que está por trás de todo e qualquer conflito e o que deve ser feito para alterar o contexto que provoca a situação que se visa debelar.
A complexidade da psique o ser humano é tão elevada que nem mesmo os juízes mais experientes dispensam o auxílio de outros profissionais. Este é um tema obrigatoriamente multidisciplinar. Não por acaso, muitas varas especializadas em direito de família, para garantir um imprescindível acompanhamento continuado, já optam pela contratação direta de psicólogos, assistentes sociais, mediadores, etc.
Como se não bastassem todas essas dificuldades científicas (que muitos ainda não as reconhecem) existe um fator talvez ainda mais difícil, que é a capacidade de identificar a separação entre a cultura do dia-a-dia e o rigor científico.
Por exemplo, quem vive em um ambiente social onde prevalentemente o pai passa o dia todo trabalhando e a mãe passa o dia todo em casa, automaticamente, prejulgará que a mãe é aquela que melhor atenderá as necessidade das crianças. Por simples suposição empírica, será considerada desnecessária qualquer avaliação profunda sobre a relação das crianças com os seus genitores e/ou da realidade familiar em geral.
Será que um magistrado mesmo sendo especializado na matéria e acompanhado há anos por um rol de profissionais não seria induzido a cometer grave erro no caso de um núcleo familiar que vive uma realidade totalmente desconhecida daquela vivenciada na quase totalidade dos casos já julgados?
Por exemplo, se fosse o pai a cuidar do filho e da casa diariamente e a mãe a trabalhar o dia todo? Se o genitor que trabalha o dia todo fosse aquele que nos momentos em que está com a criança demonstrasse atender melhor aos seus interesses? Se a criança demonstrasse maior apego ao genitor que na verdade pratica atitudes negativas ao seu melhor interesse? Será que é pensável elaborar a priori casuísticas culturais para antecipar/semplificar o julgamento das situações familiares?
Parecem infinitos os possíveis exemplos de situações aparentemente inusitadas que poderiam ser mal interpretadas se fossem aplicados prejulgamentos de uma suposta cultura local.
Em conclusão, em toda disputa conjugal e/ou parental, se espera do magistrado elevado grau de especialização e, principalmente, a capacidade de transpor o rigor científico à frente de qualquer tipo de preconceito social.
O caso do pai Rene Salinas: mudança de sexo para lutar pela guarda das filhas
Esta batalha entre o rigor científico e os prejulgamentos sociais é algo extremamente difícil de ser solucionado.
Muitas vezes é o próprio legislador que impõe no texto da lei princípios de uma sociedade pré-científica, que afasta a possibilidade de uma análise jurídica baseada na busca pela verdade.
Recentemente, se difundiu no mundo todo a notícia do pai equatoriano René Santiago Salinas que chegou ao ponto de oficializar a sua mudança de sexo para combater o sistema judicial que associa à mãe a presunção de ser o melhor guardião e ao pai a função de simples provedor.
A ação deste advogado e pai de duas filhas, parece provar mais vez que não existe a supremacia de sexo em relação à atenção e/ou valor que um genitor pode atribuir aos filhos.
Apesar da notícia poder parecer ao grande público apenas simpática, a qualidade das argumentações técnicas levantadas e o empenho deste genitor são indiscutíveis. Cai a terra qualquer adepto da tese de que os pais priorizam as suas ambições profissionais e só as mães priorizam os filhos.
O descaso do sistema jurídico brasileiro nas subtrações internacionais
No país, muito se vende a ideia de que o Brasil defende plenamente os direitos das crianças com o seu Estatuto da Criança e do Adolescente, mas não se deveria vangloriar tanta certeza.
Historicamente, o ECA foi aprovado um ano depois da Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989), resultando claro que o interesse nacional pela tutela desses direitos e o seu específico conteúdo foram prevalentemente uma consequência de um específico e longo contexto internacional.
Como não poderia ser diferente, o recebimento desta justa influência internacional continuou a ser aplicado em relação a novos tratados que acabaram sendo implantados dentro do ECA como próprios. Por exemplo, a adoção internacional é quase uma fotocópia da relativa Convenção da Haia.
Infelizmente, a Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças è uma exceção, até hoje continua ignorada.
O poder legislativo, que nunca foi pioneiro em direitos humanos em geral, insiste em se recusar de reconhecer e combater os malefícios das subtrações internacionais. Será que quem historicamente sempre falhou deveria se sentir tão seguro em continuar negando o que estabelece uma das convenções mais ratificada no mundo?
A CH80, por ser órfã de uma lei nacional, só pode ser julgada na Justiça Federal. Isto é um grande problema porque desta forma se cancela toda a especialização técnica que aqui foi relatada como requisito essencial.
A esfera federal não tem experiência na gestão de lides entre dois privados, pior ainda imaginar ter o suficiente conhecimento científico que serve para julgar as complexas relações familiares que circundam todas as subtrações.
Assim bem ensina o Relatório Explicativo da CH80:
De fato, mesmo que as resoluções sobre o retorno dos menores não prejudiquem o fundo do direito de guarda (vide artigo 19), vão ter uma influência notável na vida dos menores interessados; daí que a adoção de tais decisões, a assunção de semelhante responsabilidade, devem corresponder necessariamente às autoridades habitualmente competentes segundo o direito interno.
O acúmulo de prejulgamentos típicos da guarda aplicados no julgamento das subtrações internacionais
Como constatado, em um processo de guarda é improvável estar diante de um poder judiciário cabalmente especializado em conflitos familiares e capaz de afastar prejulgamentos vinculados à experiência puramente pessoal do julgador.
No caso de um processo de retorno baseado na aplicação da Convenção da Haia 1980 a situação é ainda mais grave, todas as premissas de um justo processo não são simplesmente improváveis, mas impraticáveis. Nenhuma vara especializada em direito de família resulta competente no julgamento desses processos.
Até mesmo na última instância esses casos não recebem julgamento especializado. O STJ até hoje mantém o grave equívoco de transformar, quase por magia, um direito privado em um direito público. Já foi pacificado que a sessão que julga esses casos deve ser aquela especializada em direito público.
Como a CH80 tutela também o direito de visitação, mas a Justiça Federal insiste em afastar a própria competência (em contradição com a aceitação da competência no pedido de retorno), existe no STJ processo em que a AGU fez apelo sobre apelo para enfim invocar o STF e tentar oferecer a mais uma criança inocente o essencial direito a visitação (ARE no RE no AgInt no AgInt no REsp 1904802).
Neste contexto completamente ilógico, todo pedido de retorno acaba sendo julgado:
- como se fosse uma discussão sobre a guarda;
- como se fosse um conflito de direito dos genitores e não da criança;
- como se a mãe subtratora fosse um genitor melhor (mesmo tendo cometido um crime contra o filho!) e, portanto, merecesse as mais amplas concessões possíveis às próprias vontades;
- como se não existisse a necessidade de tomar medidas provisórias de proteção à criança (visitação, monitoragem psicológica, etc)
- como se a mãe subtratora fosse uma vítima de injustiça no exterior.
Este é um exemplo, não isolado, de um recente voto (vencido) do STJ, que fixou em preto e branco como a falta de conhecimento técnico leva à criação de parâmetros imaginários/idealizados:
Dessa forma, não percebo como se possa atender ao interesse de uma criança deixando-a longe da mãe. Penso que o carinho e o afeto maternos são insubstituíveis, por mais prestimoso, por mais carinhoso e afetuoso que seja o pai. Penso que o hálito da mãe, o calor materno, a voz e a presença da mãe são absolutamente insubstituíveis. Nada, rigorosamente nada, pode substituir. 7. Sei que é uma questão dolorosa para ambos, tanto o pai como a mãe, mas, no caso, a decisão não é para proteger o direito do pai ou o direito da mãe, e sim para atender melhor ao interesse do menor. 8. Todos sabemos como as crianças se apegam às mães e recebem delas suas primeiras noções de mundo. É ela quem inculca, no espírito da criança, a noção de bondade, de religiosidade, de ternura, de carinho, de respeito aos mais velhos e de respeito às tradições. 9. A mãe é que passa toda a tradição oral, a educação, as histórias, as conversas dos familiares, os carinhos, os afagos, os aniversários, os presentes, os beijos, etc. Penso que a mãe atende muito melhor, soberbamente melhor, ao interesse da criança do que o pai. Nenhuma restrição ao pai, ao carinho e ao afago do pai, mas os carinhos e afagos da mãe são insuperavelmente superiores e absolutamente insubstituíveis, na minha opinião. 10. Por essa razão, peço vênia à maioria que se formou, uma vez que não houve manifestação contrária, para entender que o maior, o melhor e o mais protegido interesse da criança é estar na companhia da mãe. Se estiver na companhia da mãe e do pai, tanto melhor, mas, se tiver que haver uma escolha, deve ser a mãe. 11. Desculpem-me por discordar, mas penso que a interpretação que recomenda atender melhor ao interesse da criança deve levar em conta a companhia da mãe.
Se é verdade que impera um total desconhecimento científico, os preconceitos culturais nos casos de subtração internacional são ainda mais amplificados. Se deduz a existência de uma realidade local análoga aquela de países de outros continentes e com condições sociais extremamente diferentes.
Não poucas vezes a justiça brasileira negou o retorno das crianças subtraídas a países europeus ignorando o fato de que, por exemplo, diferentemente do Brasil, ambos genitores trabalham (não costuma existir um genitor ‘dominante’), as crianças ficam o dia todo na escola (ambos genitores mantém um contato equilibrado com os filhos), o acesso à justiça é gratuito para quem não supera um limite de renda (não é possível invocar a impossibilidade de obter), o Estado oferece diversos serviços e auxílios (que vai da moradia quase gratuita até um salário de desemprego), etc.
Na prática, tudo aquilo que o Relatório Explicativo da CH80 afirma ser o objetivo do combate às subtrações internacionais acaba sendo frustrado pelas autoridades brasileiras. O país se mantém engessado à antiga realidade anterior à CH80 e bem descrita no Relatório:
Por outro lado, não se pode esquecer que em nome do “interesse superior do menor”, no passado, frequentemente as jurisdições internas concederam a guarda disputada à pessoa que levou ou reteve o menor de forma ilícita. Pode ser que tal resolução tenha sido a mais justa; no entanto, não podemos ignorar o fato que o recurso, por parte das autoridades internas, a semelhante noção implica o risco de traduzir manifestações de particularidades culturais, sociais, etc. de uma dada comunidade nacional e, portanto, no fundo, formular julgamentos de valores subjetivos sobre a outra comunidade nacional da qual o menor acabou de ser arrancado
A evolução do direito da guarda e as consequências diretas nos casos de subtração
Uma das maiores evoluções no direito de guarda é o conceito de guarda compartilhada.
Infelizmente, somente em 2014 o Brasil adotou este regime como regra geral, mas é evidente que ainda hoje a cultura dominante não resulta ainda pronta para conceber este conceito.
Ao invés, o Relatório Explicativo da CH80, desde 1980 já enunciava este conceito e a gravidade do equivoco de considerar a mãe como guardião principal por natureza. Assim foi registrado:
Mesmo adiando o estudo da pessoa que pode ser titular de um direito de guarda ao comentário do artigo 4, consagrado no âmbito de aplicação ratione personae da Convenção, convém ressaltar aqui o fato de que a Convenção pretende proteger todas as modalidades de exercício da guarda dos menores. De fato, em conformidade com o artigo 3, o direito de guarda pode ter sido atribuído, somente ou de forma conjunta, à pessoa que solicita que se respeite o seu exercício. Não podia ser de outra forma em uma época em que as legislações internas introduzem progressivamente a modalidade de guarda compartilhada, considerada como a mais adapta ao princípio geral da não discriminação em razão do sexo. Além disso, a guarda compartilhada não sempre é uma guarda ex lege na medida em que os tribunais são cada vez mais favoráveis, se as circunstâncias o permitem, a dividir entre os pais as responsabilidades inerentes ao direito de guarda. Assim, na óptica adotada pela Convenção, a transferência de um menor por um dos seus titulares da guarda compartilhada, sem o consentimento do outro titular, é assim mesmo ilícito: neste caso concreto, a ilicitude não procederia de uma ação contrária a lei, mas do fato de que semelhante ação teria ignorado os direitos do outro progenitor, também protegido pela lei, e interrompido do seu exercício normal. A verdadeira natureza da Convenção aparece mais claramente nestas situações: a Convenção não permite determinar a quem corresponderá no futuro a guarda do menor, nem se será necessário modificar uma resolução de guarda conjunta ditada sobre a base de dados que foram alterados posteriormente; mas simplesmente trata de evitar que a resolução posterior se veja influenciada pela mudança das circunstâncias introduzidas unilateralmente por uma das partes
Se no passado as estatísticas mostravam que eram os pais os subtratores dos filhos, hoje são as mães que costumam subtrair os filhos. O aumento da guarda compartilhada parece se encaixar perfeitamente com essa alteração.
Parece óbvio que antes um pai usava a subtração como único modo para poder ter um certo grau de contato com os filhos, já que a justiça tendia a conceder plenos poderes de acesso apenas às mães. Com a mudança desse paradigma, parece óbvio que as mães passaram a usar a subtração para superar a obrigação de compartilhar com o pai as decisões sobre o filho. Uma mãe pertencente a uma cultura onde se admite as crianças como uma propriedade das mães, tem sérias dificuldades em se submeter a outra realidade.
Em conclusão, as autoridades que não preconizam o método científico, só podem priorizar os apelativos emotivos superficiais, ou seja, à toda mãe subtratora que vai ao Brasil, afirmando se sentir presa no exterior, afirmando sofrer as mais diversas injustiças (que o poder judiciário brasileiro não tem competência para verificar cabalmente), se concede total apoio.
Em território nacional, aquele que cometeu o crime de subtração contra o próprio filho, se transforma de réu em vítima, com uma facilidade impressionante.
Os adultos (não especializados em direito de família) não conseguem alcançar um mínimo grau de empatia em relação ao interesse das crianças e a cultura predominante chancela ainda mais este desconhecimento. Somando isso aos poucos casos de subtração internacional, parece evidente que dificilmente a imagem internacional do Brasil, de país desrespeitador da CH80, possa ser alterada.
A ideia do caro Rene Salinas de mudar de sexo seria pouco eficaz, pois se trata de um preconceito relativo ao poder judiciário dos outros países. Se trata do exato contrário do princípio de confiança mútua que rege a extraordinária aplicação voluntária de boa-fé de uma legislação internacional desprovida de um tribunal superior regulador.